1 de fevereiro de 2009

Meditação - Indicação de Livro

Não faça nada, só fique sentado


Quando me ofereceram a oportunidade de escrever este livro, fiquei encantada. A preocupação chegou um instante depois. “Epa!”pensei. “ Um manual geralmente prescreve coisas a fazer. Como é que eu posso dizer ‘Não faça nada, só fique sentado’?”
Comecei a pensar nos rituais budistas que conheço. Certas linhagens de práticas contém cerimônias, preces e cânticos, todos adoráveis. Porém, tão logo eu os recordava, punha-os de lado. Na prática da atenção plena*, a única coisa que acrescentamos à experiência do momento é a atenção serena.
A consciência plena, a prática para ver claramente, significa despertar para a felicidade do momento descomplicado. Nós complicamos os momentos. Quase nada acontece sem que a mente elabore profusamente o ocorrido. É a elaboração que torna a vida mais difícil do que ela precisa ser.
Descobri meu hábito de transformar fatos neutros em opinião penosa muitos anos atrás, quando telefonei a um mosteiro para providenciar um retiro particular. A pessoa que me atendeu disse “ A senhora precisa falar com Robert, o mestre do retiro”. Deixei um recado para Robert e me garantiram que ele telefonaria. No dia seguinte havia uma mensagem dele em minha secretária eletrônica, dizendo que ele estava retornando meu telefonema. Retornei a ligação mais uma vez, disseram-me que Robert não estava. Expliquei que eu tinha ligado para Robert, que ele telefonara para mim e lá estava eu de novo ligando para ele. Acrescentei, exagerando a situação: “Talvez isto seja sinal de que não devo fazer meu retiro aí”.
A resposta que recebi foi “ Acho que é simplesmente um sinal de que Robert não está aqui.”
Eu havia complicado o meu momento.
A prática da consciência plena é o hábito de ver as coisas de modo descomplicado. Você não precisa esperar até fazer um retiro para começar a praticar. Também não precisa sair de onde está para fazer seu retiro. Se você puder providenciar facilmente um espaço no qual possa fazer um retiro, ótimo. Ajuda a ficar longe das responsabilidades com relação á família e a ter um pouco de reclusão. Mas se afastar-se do lar não for uma opção, você pode fazer um retiro em casa, deixando de lado as atribulações familiares, desligando o telefone e deixando um aviso: “Retiro de três dias em andamento”.
A prática do retiro começa antes do próprio retiro. Começa com a decisão de praticar, com a intenção de dedicar-se à consciência plena.
Você já começou.


· o termo original em inglês é mindfulness, consagrado entre meditadores, de difícil tradução. Mindfully, no dicionário webster, consta como: consciente, cautelosamente. No dicionário Michaelis, o termo consta como atenção, cuidado, diligência. No Brasil, tradutores diversos tem usado expressões como consciência plena, totalidade da consciência ou mente plena (N.E)



A cosmologia é opcional



Você pode praticar a consciência plena sem se preocupar em comprometer suas crenças ou afiliações religiosas. É verdade que Buda tinha uma cosmologia que talvez seja diferente da que você tem, e é verdade que Buda ensinou a auto – observação como uma prática fundamental, mas ele não ensinou que cosmologia e consciência plena eram interdependentes.
Uma célebre história budista fala sobre um monge noviço que reclama a Buda não lhe terem sido dadas as respostas cosmológicas suficientes( Imagine! Reclamar ao Buda!)
Na história Buda concorda com o noviço, mas afirma que formulações intelectuais não são o que põe fim ao sofrimento. Para ilustrar seu argumento, ele dá um exemplo hipotético no qual uma pessoa é ferida por uma flecha venenosa discute os pormenores da flechada antes que a removam.
Remover a flecha, e não discutir a flechada, é o modo de abordar o sofrimento da pessoa. Um Buda contemporâneo poderia usar o exemplo de uma pessoa ferida num acidente e transportada velozmente por paramédicos para um pronto socorro. O ferido não permanece no local para discutir detalhes; a polícia pode fazer isso. Lidar de forma direta com o sofrimento é claramente a resposta mais sábia.
Buda ensinou que a consciência plena é o antídoto direto para o sofrimento, porque conduz à sabedoria. Gosto de pensar que a prática da consciência plena é um modo de tornar-se sábio e ser sábio simultaneamente.
A parte de torna-se um sábio é gradual. Prestando atenção claramente, em todas as situações, começamos a ver com clareza a verdade da experiência da vida. Percebemos que dor e gozo são ambos inevitáveis e que também são ambos temporários.
Lembramos, cada vez com mais freqüência, que lutar causa sofrimento e que reações compassivas e ponderadas tornam a vida governável. Às vezes nos esquecemos. O objetivo de longo prazo da prática é nunca esquecer.
A parte do ser sábio da prática da consciência plena acontece quando agimos agora,neste exato momento, no caminho para nunca esquecer. A prática da consciência plena cultiva o hábito de não nos zangarmos com a vida porque ela não está acontecendo do modo como gostaríamos. Situações desagradáveis requerem ações equilibradas. A raiva é supérflua. A prática da consciência plena também faz cultivar o hábito de desfrutar experiências agradáveis enquanto duram, sem lamentar que elas passaram. Não obstante os comerciais sobre câmaras fotográficas, não podemos capturar o momento. A prática da consciência plena significa agir como se já estivéssemos iluminados.

Bibliografia:
Não faça nada, só fique sentado
Um retiro de meditação budista ao alcance de todos.
Sylvia Boorstein
Editora Ágora